> métodos e técnicas:
9) Análise da tarefa
Antes de falar sobre a análise da tarefa (task analysis), propriamente dita, é importante entendermos a diferença entre os termos tarefa e actividade. Muito embora sejam usados, na linguagem corrente, de forma indistinta, são diferentes. Sumariamente, a tarefa é o trabalho teórico, ou seja, aquilo que é suposto / previsto ser efectuado. Por outro lado, a actividade é a forma como o indivíduo realiza esse trabalho, ou seja, as estratégias e os conhecimentos que ele põe em marcha para alcançar os objectivos que lhe foram estipulados. Naturalmente, as condições colocadas à disposição do indivíduo (ambientais, físicas, técnicas e organizacionais, etc.), condicionarão o seu desempenho.
A análise da tarefa visa conhecer, de forma detalhada, como é composta a tarefa a ser desempenhada. Dito de outra forma, é a análise de como a tarefa é efectuada.
Podemos esperar obter, de uma análise da tarefa, diversas informações úteis ao projecto:
> detectar eventuais discrepâncias, entre a forma como foi pensada / planeada a tarefa e como esta é executada na realidade (Qual é a adequação entre as sequência previstas e as efectivamente seguidas? Qual é o grau de adequação? Qual é a melhor forma para o fazer?);
> conhecer os quadros mentais e comportamentos dos envolvidos no processo de concepção. Muitas vezes, aquilo que é óbvio e fácil para um especialista (ex. engenheiro, designer, etc.) não é nada fácil nem óbvio para o utilizador leigo;
> compreender quais são os objectivos dos utilizadores, ou seja, aquilo que estão a tentar alcançar, ou, querem fazer com este produto/sistema;
> identificar aquilo que eles fazem para alcançar esses objectivos (Quais são os passos que eles percorrem para o fazer - como é que as pessoas fazem isto?) e a forma como raciocinam sobre o sistema;
> determinar quais são as características pessoais, sociais e culturais que os utilizadores trazem consigo para a realização das tarefas;
> perceber de que forma, os utilizadores, são influenciados pelo envolvimento físico e pelos conhecimentos prévios que possuem;
Entre as vantagens associadas ao uso desta técnica estão a possibilidade de antecipar, com rigor, as condições físicas, ambientais e os tempos necessários para execução das tarefas; seleccionar / remover, com consciência, componentes da tarefa; estipular sequências de acção; identificar as etapas onde ocorrem mais erros, incidentes e acidentes; compreender os mecanismos de recuperação desses mesmos erros e detectar quais etapas de maior/menor dificuldade para os utilizadores, etc.
Esta análise poderá incluir uma descrição detalhada das actividades físicas e cognitivas, bem como detalhes da tarefa (tempos, frequências, recursos mobilizados, grau de complexidade, condições ambientais, requisitos específicos de vestuário e/ou equipamento), entre outras variáveis envolvidas, ou necessárias, para o desempenho bem sucedido da tarefa.
A análise pode ser efectuada para tarefas de carácter maioritariamente físico e, nesses casos, iremos prestar mais atenção a aspectos como os tempos, os movimentos, as forças, etc. Mas, também pode ser efectuada para tarefas de carácter sobretudo informacional / cognitivo, onde ocorre pouco trabalho físico, e as tarefas dependem mais de aspectos como a tomada de decisão, a aprendizagem, os erros, a compreensão, etc.
Os dados resultantes desta análise podem ser usados como restrições / constrangimentos para novas soluções / propostas de design e na avaliação dos seus conceitos de base.
Importa salientar que, não temos que efectuar a análise, obrigatoriamente, com produtos já existentes, ou sistemas já implementados, ela pode ser feita usando maquetas, protótipos funcionais ou simulações. Também pode ser efectuada em ambiente laboratorial, com condições controladas e, não apenas em campo.
Diversos problemas podem ser alvo desta análise. Tradicionalmente, ela foi concebida para avaliar sistemas produtivos complexos (linhas de montagem, sistemas complexos, etc), mas pode ser usada para avaliar aspectos mais específicos, como um simples posto de trabalho, ou o uso de um determinado produto. Foi, também, aplicada com sucesso ao design de interfaces e ao design de aplicações para a Web. A análise da tarefa também pode ser usada no contexto escolar, pelos professores, para fazerem uma análise da adequação dos seus curricula ás capacidades dos alunos.
Esta análise da tarefa, de que estamos a falar no post de hoje, pode complementar a análise de que falámos na semana passada, o “think aloud” (TA), ou análise de protocolo. Por exemplo, numa situação em que se verificam distorções nos dados obtidos pelo TA esta análise da tarefa pode ajudar a clarificar as sequências de operação. O recurso ás imagens de vídeo, de que falámos a propósito das técnicas de observação pode ser usada para determinar os componentes da tarefa. As restantes técnicas, faladas noutros posts, como as entrevistas, questionários, gravações de conversas mantidas com os diversos trabalhadores, são também possíveis de serem usadas conjuntamente com esta análise.
Com frequência, este trabalho de análise termina com uma representação hierárquica dos passos / etapas necessárias para desempenhar a tarefa (hierarchical task analysis) e/ou uma representação do fluxo de trabalho [ver imagem de cabeçalho]. A melhor forma de representar estes dados é recorrendo a diagramas, fluxogramas ou outros gráficos semelhantes, muitas vezes divididos em camadas (layers). Da leitura dos dados deve ficar muito claro qual é objectivo principal da tarefa, as sub-tarefas que poderão estar envolvidas e a sequência de acções que a tarefa precisa para ser realizada.
Uma forma simples de começar a análise é definir o objectivo da tarefa e, de seguida, listar todos os passos envolvidos para o obter, ou seja, o conjunto de eventos que terão que ocorrer para que seja alcançado o objectivo proposto de forma satisfatória. O nível de detalhe desta decomposição depende do projecto em questão.
Para iniciarmos a decomposição da tarefa podemos colocar, a nós próprios, a pergunta: como é que esta tarefa é realizada? Noutros casos, quando iniciamos a análise a partir de um elemento localizado num nível hierárquico inferior, podemos perguntar – porque é que isto é efectuado? De seguida, passaremos para a decomposição a tarefa em grande blocos, que possam ser, por sua vez, decompostos em sub-tarefas e operações (gráfico hierarquizado). Esta fase revelará a estrutura principal da tarefa global. É desejável que, num grau maior de detalhe, sejam construídos os fluxogramas, identificados os momentos e os processos de decisão, bem como efectuados layouts rudimentares.
Muito importante, para a qualidade da análise, é que sejam evidentes as sequências entre os elementos da tarefa. Uma forma, relativamente fácil, de avaliar se a decomposição está correcta é verificar se a soma dos sub-objectivos, atribuídos a cada sub-tarefa, completa o objectivo da tarefa global. Pode ser muito útil pedir a um terceiro elemento, estranho ao processo, que faça uma avaliação global da análise (avaliação da consistência da descrição).
Gostaria de terminar alertando para a existência de diferentes análises que, podem sem confundidas entre si, mas que têm objectivos distintos: job or performance analysis; learning analysis; cognitive task analysis; content or subject matter analysis; activity analysis.
Com este post termino a série dedicada aos métodos de avaliação da usabilidade em design. Espero que sejam úteis...
Referências:
_Hackos, J. & Redish, J. (1998). User and Task Analysis for Interface Design.
_Kirwan, B. & Ainsworth, L.K. (Eds.) (1992). A Guide to Task Analysis.
_Kirwan, B. and Ainsworth, L. (Eds.) (1992). A guide to task analysis. Taylor and Francis.
_Nielsen, J (1994) Extending Task Analysis to Predict Things People May Want to Do
_Preece, J.,
_Shepherd, A. (1985). Hierarchical task analysis and training decisions. Programmed Learning and Educational Technology, 22, 162-176.
Links:
usabilityfirst
usabilitynet.org
usability.gov
classweb.gmu.edu
2 comentários:
Já lá vão alguns anos desde que tive a cadeira de Ergonomia, no IADE. Mas, lembro-me muito bem de ter que fazer os célebres organigramas em árvore das tarefas. Suponho que se trata da mesma coisa daquilo que aborda este artigo. Tenho que confessar que não gostava nada de o fazer... Talvez porque, para mim, era uma coisa dificil. Mas, hoje, reconheço que é uma técnica muito útil em alguns casos de projectos mais complicados.
Caro(a) Ssantos, não posso afirmar, com rigor, o objectivo com que realizavam esse trabalho nas suas aulas de ergonomia. O que eu fazia (e am alguns casos ainda fazemos), nas aulas, correspondia, efectivamente, a uma análise da tarefa, tal como é descrita neste post.
Eu sei que não é dos exercícos mais apreciados pelos alunos mas, esse desagrado, deve ser suplantado pela utilidade da análise.
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